A predestinação é uma doutrina bíblica que se refere ao propósito soberano de Deus em relação a suas criaturas. A predestinação está diretamente ligada à doutrina da eleição e, juntas, eleição e predestinação devem ser abordadas à luz do estudo bíblico acerca da providência de Deus – a doutrina que afirma a soberania divina no governo de tudo o que acontece.
A palavra “predestinação” traduz o termo
grego proorizo, que significa “pré-determinado”, “destinado de antemão” ou
“previamente decidido”. Esse termo aparece seis vezes no Novo Testamento. Em
algumas referências bíblicas ele se refere à predeterminação por parte de Deus
dos acontecimentos da história do mundo (Atos 4:28; 1 Coríntios 2:7).
Não tem como falar de predestinação sem falar
de eleição. E além de “eleição” e “predestinação”, um terceiro vocábulo
teológico também precisa ser considerado: “presciência”. Então definindo os
termos, a eleição indica o ato de Deus separar alguns indivíduos de entre a
raça humana caída para a salvação. A eleição desses indivíduos ocorreu antes da
fundação do mundo (Efésios 1:1-13).
Num certo sentido, eleição e predestinação
abrangem todas as criaturas racionais. Isso significa que a predestinação
inclui não apenas os homens, mas também os anjos. O Novo Testamento fala acerca
de anjos eleitos – o que naturalmente resulta na existência de anjos
não-eleitos (1 Timóteo 5:21).
Aqui é onde começa os debates acerca da
eleição e predestinação. Alguns entendem que a eleição e predestinação
configuram um ato soberano de Deus com base em sua livre vontade. Assim, os
critérios pelos quais Deus elegeu e predestinou aqueles que fariam parte de seu
povo, são desconhecidos do homem. Tudo o que se sabe é que essa escolha e
predestinação não tem sua origem e causa no próprio eleito e predestinado.
Ao contrário do que alguns pensam, o
Arminianismo também crê na eleição e predestinação. Mas na perspectiva
arminiana, eleição e predestinação são condicionais. O significado disso é que
antes da fundação do mundo Deus elegeu e predestinou certos indivíduos para a
salvação. Porém, essa eleição e predestinação foram baseadas no conhecimento
antecipado do Senhor.
A visão arminiana clássica enfatiza que a
Bíblia ensina que a eleição e predestinação ocorrem pela presciência de Deus.
Os textos mais utilizados são Romanos 8:29 e 1 Pedro 1:2. Assim, essa
interpretação defende que Deus viu quem iria crer e aceitar a Cristo atendendo
o chamado do Evangelho.
Nem todos os Arminianos assumem tais
argumentações. Mas no geral, as argumentações abaixo são as mais populares
entre os que defendem a predestinação na visão arminiana e contestam a
predestinação na visão calvinista.
Se a eleição e predestinação no Arminianismo
é condicional, no Calvinismo é incondicional. Deus, na eternidade, escolheu e
predestinou alguns indivíduos para salvação através de seu Filho.
O Calvinismo rejeita a eleição e
predestinação com base na fé prevista. O argumento é que em nenhum lugar na
Bíblia a presciência de Deus é aplicada à fé, escolhas ou ações dos homens. Nos
textos bíblicos Deus sempre prevê pessoas. A Bíblia diz que Deus conheceu
pessoas de antemão, e não suas ações. Claro que Deus conhece suas ações, obras
e decisões, mas o foco está nas pessoas. Além disso, a presciência de Deus não
é simplesmente uma mera previsão ou apenas uma cognição prévia.
Quando a palavra “presciência” é aplicada a Deus no Novo Testamento, ela também implica na ideia de relacionamento especial. Na Bíblia, quando Deus conhece alguém isso indica um ato de favor e consideração afetuosa (Êxodo 33:17; Amós 3:2; João 10:14). A presciência trata desse conhecimento que indica relacionamento.
Assim, o texto de 1 Pedro 1:2, por exemplo, que diz: “eleitos segundo a presciência de Deus Pai”, deve ser interpretado como: “escolhidos antecipadamente segundo o propósito de Deus”. Algumas traduções bíblicas revisadas já adotam essa tradução que se harmoniza melhor ao contexto da passagem.
Porém no versículo anterior, o apóstolo esclarece que aqueles a quem Deus conheceu de antemão são aqueles que o amam. Daí alguém pode questionar acerca de quem são aqueles que amam a Deus. Mas o mesmo apóstolo responde: “aqueles que são chamados segundo o seu decreto”. Portanto, a base de tudo é o decreto de Deus (cf. Salmo 2:7).
Além disso, se a eleição e predestinação fossem com base na fé prevista, então elas não seriam eleição e predestinação, mas simplesmente uma constatação. Em outras palavras, Deus apenas teria constatado aqueles que, por livre vontade, iriam escolher a salvação. Em ultima instância, isso não seria uma predestinação divina, mas uma auto-predestinação humana. Na verdade a escolha do homem é que contaria, e não a escolha de Deus. A vontade do homem prevaleceria sobre a vontade de Deus.
Dentro do Calvisnismo também nem há a discussão sobre uma forma coletiva de eleição e predestinação. Os calvisnistas entendem que dizer que Deus predestina um grupo, mas não predestina os integrantes desse grupo, é um argumento ilógico, visto que um grupo é formado por indivíduos. Além disso, não há base bíblica para defender essa tese. A Bíblia fala da eleição da Igreja enquanto a comunidade dos fiéis, bem como a eleição de indivíduos que formam essa comunidade. Neste ponto, muitos arminianos também concordam
Argumentações acerca da predestinação no Calvinismo
Historicamente os argumentos acerca da
predestinação na visão calvinista geralmente se apresentam como
contra-argumentos das objeções arminianas. Seguiremos esse padrão aqui.
1. Deus foi injusto ao escolher alguns e reprovar outros? Não. A Bíblia diz que todos os homens pecaram contra Deus (Romanos 3:9-23). Isso significa que não existem inocentes de entre a raça humana (Salmo 143:2). Deus jamais esteve em divida para com o homem, portanto, se soberanamente Ele decidiu salvar alguns, isto não é nenhuma injustiça.
Se Deus tivesse resolvido que toda a humanidade deveria ser condenada ao inferno, Ele ainda assim seria totalmente justo. Ele elegeu e predestinou indivíduos de entre uma raça caída e não de entre uma raça justa e íntegra. Em nenhum momento o caráter amoroso de Deus é colocado à prova por causa de sua soberania na eleição e predestinação incondicionais.
2. A eleição e predestinação incondicionais transformam os homens e robôs? Não. A eleição e predestinação pela vontade soberana e incondicional de Deus não anulam a liberdade e a responsabilidade do homem. Deus também executa seus planos soberanos através da vontade de suas criaturas (Filipenses 2:12,13).
A predestinação não faz de ninguém um robô pré-programado. O homem é um agente livre, capaz de escolher e decidir. Essas decisões e escolhas são importantes e possuem grandes implicações. O que a Bíblia diz é que por causa da corrupção de sua própria natureza, o homem caído é incapaz de escolher e se decidir pelas coisas de Deus.
2 É blasfemo inferir que o homem peca porque Deus o obriga a pecar (Tiago 1:13). O homem peca e se deleita em seu pecado. A perversidade satisfaz a natureza caída e pecaminosa do homem. Desde a Queda, os homens amaram mais as trevas do que a luz (João 3:19).
Porém, quando o Espírito Santo regenera o pecador, é o próprio pecador que responde voluntariamente, de acordo com sua nova natureza, com fé e arrependimento ao chamado do Evangelho. A fé é um dom de Deus, e o Espírito Santo é quem convence o homem de seu pecado. No entanto, não é Deus quem crê ou se arrepende pelo homem. É o homem quem crê, e é o homem quem se arrepende. Nesse sentido, Deus opera através da vontade do homem, e não contra ela. Nenhum cristão verdadeiro, seja ele calvinista ou arminiano, ousará dizer que o amor que sentem pelo Senhor é forçado e lhes priva de sua liberdade.
4. A eleição e predestinação incondicionais significam que Deus fez acepção de pessoas e anulam o ensino bíblico de que Deus quer que todos sejam salvos? A eleição e predestinação incondicionais não contradizem as verdades bíblicas de que Deus quer que todos os homens venham a arrepender-se; e muito menos apresentam Deus como Aquele que faz acepção de pessoas. Em primeiro lugar, na maioria dos textos em que a palavra “todos” é aplicada com relação à salvação, ela não implica na ideia de todos os homens em particular. Os próprios textos indicam que se trata de uma referência a todas as classes de pessoas.
Porém, existem textos que realmente indicam o amor de Deus por todos os homens. Ele é o Deus que não sente prazer na morte do ímpio (Jeremias 33;11). Sob esse aspecto, sim, Ele deseja que todos os homens se arrependam. Aqui então precisamos saber diferenciar a vontade preceptiva de Deus de sua vontade decretiva.
A vontade preceptiva reflete o padrão moral de Deus expressando seus preceitos. Já a vontade decretiva de Deus é expressa em seus decretos e certamente será cumprida. A questão é que nem tudo o que Deus desejou em sua vontade preceptiva, Ele decretou em sua vontade decretiva.
Em segundo lugar, não há como dizer que a eleição e predestinação incondicionais resultam numa acepção de pessoas. A palavra “incondicional” aponta justamente para isso. Ao eleger e predestinar pessoas incondicionalmente, Deus o fez sem se basear em nada que poderia haver no homem. A acepção de pessoas só se configura quando há uma aceitação, favorecimento ou rejeição com base em qualidades e características das próprias pessoas.
Se a causa da eleição e predestinação não está na pessoa que é objeto delas, mas em Deus que é quem elege e predestina, jamais isto seria uma acepção. Na verdade, é a ideia de eleição e predestinação condicionais que configura acepção de pessoas. Se a eleição e predestinação são baseadas na fé prevista, então Deus fez acepção de pessoas, pois Ele sabia que nem todos teriam as mesmas oportunidades de crer.
Muitas pessoas passaram por este mundo sem nunca ouvir o Evangelho. Sim, Deus revela sua vontade através das obras da criação e sua lei está impressa na consciência de todas as pessoas. Porém, é através das Escrituras que sua vontade é revelada ao homem de forma especial. Sob esse aspecto, é inegável que uma pessoa que nasceu na Inglaterra no século 18 nos dias em que John Wesley pregava, teve mais oportunidades de crer no Evangelho do que uma pessoa nascida no Império Asteca.
Portanto, se a eleição e predestinação são baseadas na fé prevista – e nem todos tiveram a mesma oportunidade de crer –, então sim, Deus fez acepção de pessoas. Mas se crermos que Deus elegeu e predestinou aqueles que são seus de forma incondicional e soberana, então temos a certeza de que Ele garantirá que, de alguma forma, o chamado eficaz de sua graça alcance a todos os eleitos, onde quer que estejam.
5. A eleição e predestinação incondicionais tornam a evangelização inútil e desnecessária? A eleição e predestinação não é uma ameaça à evangelização, ao contrário, é a garantia de sua eficácia. Ao saber que Deus elegeu e predestinou os que são seus, certamente a pregação do Evangelho trará resultados.
Além disso, é através da pregação do Evangelho que Deus determinou que seus eleitos fossem chamados. O Evangelho é o poder de Deus para a salvação de seu povo (Romanos 1:16; 1 Coríntios 1:18,24; 2:4; 1 Tessalonicenses 2;13; Hebreus 4;12; Tiago 1:18; 1 Pedro 1:3,23).
Por isso é preciso evangelizar, sabendo que Deus se encarregará dos resultados. Em Atos 13:48 lemos exatamente sobre isto. Após a pregação do Evangelho entre os gentios, “creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna”.
Independentemente de qualquer coisa, nosso dever é pregar o Evangelho a todos os homens, sem distinção, sabendo que Deus conhece aqueles que são seus (Mateus 28:18-20; Atos 1:8; 1 Coríntios 2:1-5; 2 Timóteo 2:19).
6. A eleição e predestinação incondicionais significam que o crente pode viver no pecado já que foi eleito? Ninguém que foi eleito e predestinado por Deus viverá uma vida de pecado após ser regenerado pelo Espírito Santo. Isso é incompatível com sua nova natureza. Após nascer de novo, aquele a quem Deus elegeu e predestinou vive uma vida de obediência e santificação (1 Pedro 1:2). Se alguém diz ser predestinado e anda segundo o curso deste mundo, ele jamais conheceu a Deus (1 João 3:1-10).
7. A eleição e predestinação incondicionais acabam com a segurança da salvação, já que manter-se salvo não depende do crente? A doutrina bíblica da predestinação serve exatamente para trazer segurança da salvação aos crentes. Eles podem descansar sabendo que sua salvação não foi confiada ao enganoso coração do homem (Jeremias 17:9; Tito 1;15,16).
A salvação é um plano eterno de Deus, e somente estando nas mãos de Deus é que o crente pode ter certeza dela (João 10:14,27; Romanos 8:30-39; 1 Pedro 1:1,5). Deus é quem preserva e mantém o seu povo firme até o fim (1 Coríntios 1:8).
Conclusão sobre a eleição e predestinação
É necessário muito cuidado quando falamos
sobre a doutrina bíblica da eleição e predestinação. É preciso se ter em mente
que estamos falando dos decretos de Deus, e seus desígnios são insondáveis para
nós.
Portanto, é importante saber se calar onde as Escrituras se calam; ou seja, não podemos ir além do que a Palavra de Deus nos leva. Não há ninguém, nem o mais capacitado estudioso do Arminianismo ou do Calvinismo, que consiga explicar totalmente os mistérios de Deus na eleição e predestinação.
Por fim, a doutrina da eleição e predestinação não deve ser motivo de tristeza, desespero ou descontentamento. Nem mesmo deve servir de motivo para causar divisão entre o povo de Deus. A doutrina da eleição e predestinação é uma gloriosa verdade que deve servir de conforto para todo cristão genuíno.
Mas realmente somente Deus conhece o destino final de cada um de nós. Enquanto isso, a Bíblia nos encoraja a assegurar nossa chamada e eleição ( 2 Pedro 1:10). Porém, não é para Deus que precisamos confirmar nossa eleição, mas para nós mesmos. Isso é possível através de uma vida de santificação em conformidade com a vontade do Senhor
Laguna SC 10/12/2024 Postado por Gercino M Araujo
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