quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Morte e Chocolate - (Markus Zusak )

Primeiro, as cores.

Depois, os humanos.

Em geral é assim que vejo as cores.

Ou, pelo menos, é o que tento.

 

Eis um pequeno fato,

Você vai morrer

 Com absoluta sinceridade, tento ser otimista a respeito de todo esse assunto, embora a maioria das pessoas sinta-se impedida de acreditarem em mim, sejam quais forem meus protestos. Por favor, confie em mim. Decididamente, sei ser animada, sei ser amável. Agradável. Afável. Esses são apenas os As. Só não me peça para ser simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo.

 

Reação do fato supracitado

Isso preocupa você?

Insisto – não tenha medo,

Sou tudo, menos injusta.

 

É claro, uma apresentação.

Um começo.

Onde estão meus bons modos?

 

Eu poderia me apresentar apropriadamente, mas, na verdade, isso não é necessário. Você me conhecerá o suficiente e bem depressa, dependendo de uma gama diversificada de variáveis. 

 

Basta dizer que, em algum ponto do tempo, eu me erguerei sobre você, com toda cordialidade possível. Sua alma estará em meus braços.

 

Haverá uma cor pousada em meu ombro. E levarei você embora gentilmente. Nesse momento, você estará deitado. (Raras vezes encontro pessoas de pé.) Estará solidificado em seu corpo. Talvez haja uma descoberta; um grito pingará pelo ar. O único som que ouvirei depois disso será minha própria respiração, além do som do cheiro de meus passos.

 

A pergunta é: qual será a cor de todo esse momento em que eu chegar para buscar você? Que dirá o céu?

 

Pessoalmente, gosto do céu cor de chocolate. Chocolate escuro, bem escuro.

 

As pessoas dizem que ele condiz comigo. Mas procuro gostar de todas as cores que vejo – o espectro inteiro. Um bilhão de sabores, mais ou menos, nenhum deles exatamente igual, e um céu para chupar devagarinho. Tira a contundência da tensão. Ajuda-me a relaxar.

 

Uma pequena teoria

As pessoas só observam as cores do dia no começo e no fim, mas para mim está muito claro que o dia se funde através de uma multidão de matizes e entonações, a cada momento que passa. Uma só hora pode consistir em milhares de cores a cada momento que passa.

Amarelo, céreos, azuis, borrifados de nuvens. Escuridões enevoadas.

No meu ramo de atividade, faço questão de notá-los.

 

Já que me aludi a ele, o único dom que me salva é a distração. Ela preserva minha sanidade. Ajuda-me aguentar, considerando-se há quanto tempo venho executando esse trabalho.

 

O problema é: quem poderia me substituir? Quem tomaria meu lugar, enquanto eu tiro uma folga em seus padrões de férias, no estilo resort, seja ele tropical, seja da variedade estação de inverno?

 

A resposta é claro, é ninguém, o que me instigou a tomar uma decisão consciente e deliberada – fazer da distração minhas férias. Nem precisa dizer que tiro minhas férias à prestação. Em cores.

 

Mesmo assim, é possível que você pergunte: porque é mesmo que ela precisa de férias? De que precisa se distrair?

 

O que me traz à minha colocação seguinte.

São os humanos que sobram.

Os sobreviventes.

È para eles que não suporto olhar, embora ainda falhe em muitas ocasiões.

Procuro deliberadamente as cores para tirá-los da cabeça, mas vez por outra, sou testemunha dos que ficam para traz, desintegrando-se no quebra-cabeça do reconhecimento, do desespero e da surpresa. Eles têm coração vasados. Tem pulmões esgotados.

 

O que , por sua vez, me traz ao assunto de que estou lhe falando esta noite, ou esta manhã, ou seja la quais forem a hora e a cor.

É a história de um desses sobreviventes perpétuos – uma especialista em ser deixada para traz.

 

È só uma pequena história, na verdade, sobre, entre outras coisas:

Uma menina

Algumas palavras

Uns Alemães fanáticos

Um acordeonista

Um lutador judeu

E uma porção de roubos

 

Ví três vezes a menina que roubava livros.

 


 

Comumente os homens procuram se justificar por ter negligenciado o espiritual em detrimento do profano.

No texto citado, observamos o sábio em sua velhice, em um tom decepcionante reconhece agora, embora um tanto tardio, que priorizou na vida, coisas fúteis quando comparado com a verdadeira sabedoria. Todos nós certamente temos feito um pouco do que fez Salomão, queremos construir castelos, plantar vinhas, palácios e jardins. Entretanto a vida agora está na fase conclusiva, e os sábios notam que muito do seu trabalho foi em vão. Quando a nossa lida aqui terminar, qual será o resultado do balanço das nossas vidas? Pense nisto pois o tempo é inimigo do mortal.

 

Texto da revista da Escola Dominical

Quinta feira